O cerco policial à luxuosa casa flutuante ancorada num canal em Miami Beach, na noite de quarta-feira passada, durou mais de quatro horas. Sob o olhar de mais de 100 policiais, entre eles equipes da Swat com escudos e armamento pesado, agentes do FBI tentaram sem sucesso, com megafones, iniciar negociações com Andrew Cunanan, 27 anos, acusado de ter assassinado uma semana antes o costureiro Gianni Versace. Só depois de uma saraivada de bombas de gás lacrimogêneo, a polícia se atreveu a invadir o lugar. Cunanan foi encontrado estirado numa cama no 2º andar, morto com um tiro na boca. Junto do corpo estava a pistola semi-automática calibre 40, que a polícia acredita ser a mesma usada para matar Versace e dois dos quatro outros homens que foram vítimas da carreira relâmpago de Cunanan como assassino em série. Seu rosto estava tão destroçado pelo disparo que foi preciso checar a identidade pelas impressões digitais. Só então a polícia deu por oficialmente encerrada a caçada humana que manteve os americanos eletrizados por nove dias.

Foi uma enorme operação policial, que envolveu mais de 1000 agentes do FBI, páginas na Internet e informações confusas sobre sua presença em vários lugares. Cunanan estava escondido a apenas 4 quilômetros do local da morte de Versace. Na tarde de quarta-feira, numa inspeção de rotina, o zelador Fernando Carreira encontrou aberta a porta da frente e fugiu assustado ao reconhecer o fugitivo dentro da casa flutuante. Ao chegar à rua, ouviu um disparo. Talvez tenha sido o momento do suicídio. “Ele era um homem desesperado, sem ter para onde correr”, interpretou Richard Barreto, chefe de polícia em Miami Beach. “Estou feliz que se tenha encerrado o caso sem outra vítima.” O mesmo sentimento de alívio tomou conta de South Beach, onde Versace tinha seu Q.G. americano. Com suas fachadas em estilo art déco, South Beach é o cenário do badaladíssimo mundo homossexual da Flórida.

Com a morte de Cunanan, algumas perguntas continuam sem resposta. Por que ele começou inesperadamente a matar, três meses atrás? O que o levou a emboscar e executar Gianni Versace, o rei da alta-costura? Sem o depoimento do próprio assassino, um garoto de programa que vivia à custa de homossexuais mais velhos, só se pode especular. A polícia já sabe que, depois de atirar em Versace, ele se refugiou imediatamente na casa flutuante. Devia saber que o local estava vazio, pois o proprietário, um homossexual alemão procurado em seu país por fraude e sonegação, vive em Las Vegas, onde é dono de uma sauna gay. Nesses dias finais de desespero, sabe-se que Cunanan telefonou para um conhecido tentando obter, sem sucesso, um passaporte forjado para fugir do país.

Caçada implacável — Cunanan entrou na lista dos dez homens mais procurados pelo FBI ao cometer os primeiros crimes. A caçada, contudo, só se tornou implacável depois do assassinato de Versace, uma personalidade de repercussão internacional, cuja missa de sétimo dia reuniu mais de 2.000 pessoas na terça-feira passada, na catedral gótica de Milão. No mesmo banco em que se sentou o roqueiro Sting se via a princesa Diana consolando o pranto do cantor Elton John, amigo pessoal de Versace. A missa, dizem os jornais italianos, custou à família 600000 dólares, um donativo necessário para convencer a Igreja a abrir o principal monumento arquitetônico da cidade para honrar um homossexual assumido.

Cunanan vivia num mundo bem diferente, sem nenhum glamour. Gostava de posar de milionário. Muitas vezes se apresentava como filho de um rico fazendeiro filipino. Na vida real, seu pai era realmente das Filipinas. Mas começou a vida como marinheiro, depois foi corretor de valores e precisou fugir dos Estados Unidos para não ser preso por estelionato. Deixou para trás a mulher e quatro filhos, entre eles Andrew, com 19 anos. Modesto Cunanan vive hoje na pobreza em sua terra natal e se recorda do filho como um adolescente pacífico, sempre com um livro na mão. A mãe o vê com maior severidade. “Um prostituto gay”, descreveu aos repórteres. Versace foi na vida real aquilo que Cunanan fantasiava ser: um homossexual rico, com prestígio profissional e amizades badaladas como Madonna e a modelo Naomi Campbell.

A polícia investiga a hipótese de que Cunanan tenha decidido matar Versace e outros quatro homens depois de descobrir que estava com o vírus da Aids. Michael Dudley, que trabalha como voluntário em campanhas de prevenção da doença, contou à revista Newsweek que em fevereiro, durante uma palestra, Cunanan saiu batendo a porta e jurando “pegar quem fez isso comigo”. A polícia acha que ele poderia estar disposto a se vingar de ex-amantes. Mas não é certo que tivesse relações com Versace antes do crime. O costureiro não era do tipo que namora qualquer um em boates gays. Nos últimos anos manteve relacionamento estável com o mesmo namorado. Um conhecido diz que certa vez o viu cumprimentar Cunanan num evento público sem demonstrar intimidade.

Mortes e roubos — De concreto se sabe que, no final de abril, ele se hospedou com um ex-amante, o arquiteto David Madson, em Minneapolis, no centro-norte do país. Madson e Cunanan convidaram um amigo comum, Jeff Trail, para jantar. Dois dias depois, o cadáver de Trail foi encontrado no apartamento de Madson. Tinha sido barbaramente espancado com um martelo. O corpo de Madson também foi encontrado mais tarde num bosque. Fora assassinado com sua própria arma, a pistola 40 que acompanharia Cunanan até o fim. O matador fugiu para o sul no jipe Cherokee vermelho de Madson. Em maio, perto de Chicago, ele torturou e matou um rico corretor de imóveis, Lee Miglin, de 72 anos. Estabelecendo um estilo, trocou o jipe pelo Lexus de Miglin. A vítima seguinte foi um zelador de cemitério, de quem roubou a caminhoneta.

O carro do zelador foi encontrado num estacionamento público a poucos quarteirões da casa de Versace, com as roupas que, segundo testemunhas, Cunanan usava na hora em que matou o costureiro. Antes de matar Versace, apesar de estar na lista dos mais procurados, o assassino viveu num hotel de terceira categoria em Miami, saindo todas as noites sem ser incomodado. Com seu próprio nome vendeu numa loja de penhores moedas de ouro roubadas de uma de suas vítimas. Quando finalmente foi reconhecido, numa lanchonete, sumiu do hotel antes da chegada do FBI. Quando Versace foi morto, a polícia pensou reconhecer seu estilo e o transformou no único suspeito. Por que ele mataria o costureiro? Talvez nunca se saiba.

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